Lorena Bora – Acadêmica de Direito
Priscila Maia – Advogada
Com o feriado nacional de Tiradentes, em 21 de abril, reitera-se a importância da inconfidência mineira à independência do Brasil, ocorrida em 1822. Embora seja uma data “comemorativa”, relembra-se o processo de execução de Tiradentes e questões relevantes para o entendimento do processo judicial atual.
Durante o período colonial, mais especificamente na época da conjuração mineira (1789), o sistema jurídico brasileiro seguia as normas conforme Portugal. Para entender a evolução do direito brasileiro, considerando o processo jurídico daquela época e o atual, faz-se uma breve análise da execução de Tiradentes.
Joaquim José da Silva Xavier, ficou conhecido como Tiradentes em razão de seu ofício – dentista. O seu marco para a história brasileira foi tão importante, que seu nome foi o primeiro inserido no Livro dos Heróis da Pátria[1], justamente pela participação na conjuração mineira e sua execução pela Coroa Portuguesa. Tiradentes foi o único a receber a pena de morte, enquanto os demais ativistas foram perdoados por Portugal.
Em relação ao movimento, um de seus objetivos era diminuir ou acabar com os altos impostos cobrados pela Coroa Portuguesa sobre as minerações, cobrança que chegava a 20% sobre o ouro extraído, o conhecido “quinto”. Além disso, o movimento lutava contra o controle português sobre o Brasil, principalmente Minas Gerais, caracterizando-o como um movimento separatista.
Já a execução de Tiradentes se deu em razão da “traição” de Joaquim Silvério dos Reis (comandante do regimento de cavalaria, fazendeiro e proprietário de minas de ouro), que entregou os integrantes do movimento, e Tiradentes como o líder da inconfidência mineira.
A aplicação da pena de Tiradentes seguiu as Ordenações Filipinas, que vigoraram entre 1603 a 1917[2], mesmo após a independência do Brasil. As ordenações eram um compilado de normas editadas pela Coroa Portuguesa, que levavam o nome do Monarca que as editou, Don Felipe I, rei da Espanha (1556 – 1598) e de Portugal (1581 – 1598).
Além da legislação vigente à época, o processo judicial ocorria com base nos “Autos de devassa”, em que “devassa” significa a investigação para apurar um crime[3]. Logo, autos de devassa seriam as peças produzidas no decorrer da investigação, com o objetivo de colacionar provas e, consequentemente, solucionar a lide.
Contudo, as regras do processo eram diferentes das conhecidas atualmente. O inquérito e o processo eram conduzidos pelos juízes e escrivães[4]. Por mais que existisse, de certa forma, a figura do advogado, este só poderia atuar ao término da devassa e após a juntada dos autos ao processo.
Nesse ponto, encontra-se algo interessante que difere do sistema jurídico atual: o princípio da ampla defesa. Por mais que os acusados pudessem apresentar defesa, não teria tanto valor, porquanto o juiz decidia, principalmente, com base na investigação feita. Com isso, a posterior apresentação de defesa era praticamente inútil para influenciar a decisão.
Sobre a ampla-defesa, destaca-se que essa pode aparecer de duas formas durante o processo: a defesa técnica e a autodefesa. A autodefesa é quando o próprio acusado se defende, como o silêncio durante um interrogatório, por exemplo. Já a defesa técnica é a defesa por meio de um profissional, como o advogado, que usa de seus conhecimentos jurídicos para defender o acusado.[5]
Diversamente daquele processo judicial, atualmente, a ampla defesa tem status Constitucional, conforme artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, e é garantida em qualquer momento do processo. Assim, por certo, se Tiradentes fosse julgado nestes moldes, existiria a possibilidade de não ser “executado”, visto que seria possível utilizar dos meios previstos em lei.
Outra diferença imprescindível é a pena de morte. Atualmente, segundo a constituição brasileira, a pena de morte só pode ser aplicada em caso de guerra declarada, conforme artigo 5º, inciso XLVII, alínea ‘a’. Vale lembrar, igualmente, que a separação de qualquer estado federativo é inconstitucional, mas também não enseja pena de morte caso haja tentativa nesse sentido.
Agora, ao pontuar semelhanças entre o sistema atual e os procedimentos da inconfidência mineira, demonstra-se a figura do delator ou informante. No sistema penal atual existe a delação premiada, que nas palavras do professor Cezar Roberto Bitterncourt, seria a “[…] redução da pena, (podendo chegar, em algumas hipóteses, até mesmo a isenção total da pena) para o delinquente que delatar seus comparsas, concedida pelo Juiz na sentença final condenatória”[6].
Com essa mesma definição atual, tem-se que Joaquim Silvério dos Reis entregou os inconfidentes com o intuito de se beneficiar, eis que endividado perante a coroa portuguesa, exatamente pela falta de pagamento do quinto[7]. Sua delação fez com que todas as dívidas fossem perdoadas.
Embora longínqua, tem-se que a inconfidência mineira rende diversos estudos e curiosidades que podem (e devem) ser discutidos, sobretudo por trazer uma importante dimensão histórica sobre os eventos que originaram o sistema jurídico brasileiro atual.
Assim, em breve análise, nota-se que o movimento que levou à execução de Tiradentes influenciou substancialmente a independência do Brasil, mas também tem grande influência no direito atual. Reforça princípios fundamentais, protegidos constitucionalmente, como a ampla defesa, com o escopo de garantir um processo mais justo e igualitário.
Referências:
Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, a. 59, nº187, p. 13-18, out./dez. 2008. A sentença condenatória de Tiradentes e a construção do mito. Disponível em: < https://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/536/1/NHv1872008.pdf > Acesso em: 14/04/2022
Ensinar História. Execução de Tiradentes na forca, Rio de Janeiro. Disponível em: < https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/execucao-de-tiradentes-na-forca-rio-de-janeiro/ > Acesso em 13/04/2022
Consultor Jurídico. Processo que resultou na morte de Tiradentes é publicado na internet. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2015-abr-26/autos-devassa-inconfidencia-mineira-sao-publicados-internet > Acesso em: 13/04/2022.
[1] Senado Federal. Os dez heróis do Livro dos Heróis da Pátria. Disponível em: < https://www.senado.gov.br/noticias/agencia/quadros/nomes.html > Acesso em: 14/04/2022
[2] TAVARES VIEIRA, Hugo Otávio. As Ordenações Filipinas: o DNA do Brasil. Revista dos Tribunais, 2015. Disponível em: < http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RTrib_n.958.12.PDF >. Acesso em: 14/04/2022.
[3] Significados. Significado de Devassa. Disponível em: < https://www.significados.com.br/devassa/ >. Acesso em: 14/04/2022.
[4] MARCHIONI, Guilherme e BAZAGLIA, Otavio Espires. O processo de Tiradentes e sua surpreendente semelhança com atuais procedimentos penais. Disponível em: < https://www.justificando.com/2020/04/21/o-processo-de-tiradentes-e-sua-surpreendente-semelhanca-com-atuais-procedimentos-penais/ > Acesso em: 15/04/2022
[5] PAVANI, Alex Roni Alves. O princípio da ampla defesa e seus aspectos. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/53601/o-principio-da-ampla-defesa-e-seus-aspectos >. Acesso em 17/04/2022.
[6] BITENCOURT, Cezar Roberto. Delação Premiada é favor legal, mas antiético. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jun-10/cezar-bitencourt-delacao-premiada-favor-legal-antietico . Acesso em 15/04/2022.
[7] FRAZÃO, Dilva. Joaquim Silvéro dos Reis: Delator de inconfidentes. Disponível em: < https://www.ebiografia.com/joaquim_silverio_dos_reis/ > Acesso em 15/04/2022.