Augusto Mohd Popp – Acadêmico de Direito
Jaíne Hellen Machnicki – Advogada
“Você já tentou ver um filme em um idioma desconhecido com uma legenda em uma língua que também não domina? É, no mínimo, complicado. É assim que se sentem milhões de brasileiros surdos que têm a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua.”[1]
Libras significa “Língua Brasileira de Sinais”, é o idioma natural dos surdos brasileiros. Ou seja, assim como as pessoas sem deficiência, no Brasil, aprendem naturalmente o português, as pessoas com deficiência auditiva aprendem a Língua Brasileira de Sinais. Neste sentido, o site LIBRAS-SE, ilustra que “a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é uma língua, como o português, mas para brasileiros que não escutam os sons das palavras.”[2]
Igualmente, Maria Izalete Inácio Vieira, ilustra que “a língua natural dos surdos é a língua de sinais, no caso dos surdos brasileiros a Língua Brasileira de Sinais (Libras).”[3] Assim, conforme esclarece o site LIBRAS-SE, “É a comunicação feita pela junção de movimentos de mãos, de articulações, e de expressões faciais e corporais. Por isso, é importante ferramenta de inclusão social para os surdos.”[4]
Vale destacar que a Língua Brasileira de Sinais é um idioma específico, em outras palavras, possui uma estrutura própria, não se trata de uma imitação gestual ou representação do idioma português com as mãos. Neste sentido o site LIBRAS-SE, ilustra que Libras possui a “própria gramática, fonologia, morfologia, sintaxe e semântica. Por isso, a configuração de frases em Libras é diferente de como funciona no português. São línguas diferentes.”[5]
Aliás, diferentemente da crença popular, a Língua Brasileira de Sinais não é formada apenas pelos movimentos das mãos, ela envolve também os movimentos espaciais e as expressões corporais e faciais. Assim, um mesmo sinal, executado de diferentes formas ou em diferentes localizações espaciais, pode significar diferentes coisas.[6]
Assim, justamente por se tratar de um idioma específico, com suas próprias regras e particularidades, é que não se pode falar em uma língua universal, ou seja, diferentemente da crença popular, Libras é um idioma de sinais brasileiro, mas existem outros idiomas de sinais em localidades diversas.
Neste sentido, o site LIBRAS-SE ilustra que “por ter influências locais, não há nenhuma língua de sinais que seja universal. Como exemplos, há a “American Sign Language” (língua de sinais estadunidense); a “British Sign Language” (utilizada na Inglaterra); a “Lengua Española de Signos” (utilizada na Espanha); e a “Langue des Signes Française” (utilizada na França)”[7]
Vale destacar que a Língua Brasileira de Sinais restou reconhecida como meio legal de comunicação e expressão no Brasil por intermédio da Lei nº 10.436/2002, a qual estabeleceu que “entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.”[8]
No mesmo passo, a referida Lei estabeleceu ainda o dever do Poder Público de garantir meios de apoio ao uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais.[9]
Assim, visando conferir efetividade à língua de sinais, sobretudo no que tange aos meios de transmissão de imagem e som, tais como a televisão, criou-se o mecanismo chamado “Janela de Libras”.
Conforme explica o site LIBRAS-SE, a janela de libras “é um espaço destinado ao profissional intérprete e tradutor de Libras em vídeos. É tecnicamente chamado de PIP (Picture in Picture). O recurso atende à demanda de acessibilidade na comunicação para surdos que usam Libras.”[10]
Igualmente, Aretha Fernandes ilustra que “a janela de Libras é o espaço destinado a intérpretes da Língua Brasileira de Sinais nos materiais audiovisuais, seja representado por uma pessoa ou por um tradutor virtual. Ela possibilita às pessoas surdas alfabetizadas em Libras compreenderem o conteúdo divulgado.”[11]
Portanto, a janela de libras nada mais é do que aquele “quadradinho” que aparece no canto da tela da televisão ou de qualquer vídeo, no qual um intérprete da língua brasileira de sinais traduz simultaneamente o que está sendo falado em linguagem oral.
Neste ponto, inclusive, importante destacar que a janela de libras possui regulamentação pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), visando conferir efetividade à janela. Isto porque, não se verifica efetiva uma janela pequena, na qual é impossível detectar todos os movimentos e expressões do intérprete. Há necessidade de que a janela possua tamanho razoável, visível.
Neste sentido, o site LIBRAS-SE, ilustra que “Existe uma normativa da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A Norma ABNT NBR 15.290: 2005 estabelece que o tamanho da janela de Libras deve ter no mínimo, a metade da altura e um quarto da largura do vídeo. É um dos pontos para que seja possível oferecer uma boa visualização dos sinais, entendimento do conteúdo, e, claro, o acesso à informação com inclusão.”[12]
Do mesmo modo, Aretha Fernandes explica que “As recomendações são detalhadas na NBR 15.290, que orienta sobre posicionamento, tamanho, recorte e contraste da janela e até como intérpretes devem se vestir para garantirem acessibilidade nos programas de televisão.”[13]
Ou seja, para além da criação do mecanismo, há necessidade de que este seja efetivo, para atingir seu objetivo, garantindo o acesso à informação, cultura, entretenimento, entre outros, em igualdade de condições à comunidade surda.
Veja-se, como é sabido, nos termos da Constituição Federal, todos são iguais[14] e possuem direito à informação e à cultura. Tanto é que a Constituição determina expressamente que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura[15] e que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e correlatos.[16]
Assim, inequivocamente, tais direitos devem ser garantidos também às pessoas com deficiência auditiva, em igualdade de condições.
Assim, sobretudo considerando o viés da efetividade dos preceitos constitucionais, a Lei 10.098/2000[17], estabeleceu como dever do Poder Público promover a eliminação de barreiras na comunicação, estabelecendo mecanismos de acessibilidade aos portadores de deficiência.[18]
No mesmo intento, a legislação em voga estabeleceu que os serviços de radiodifusão de sons e imagens deveriam adotar medidas técnicas para permitir o uso de Libras ou outra subtitulação, visando acessibilidade.[19]
Da mesma forma, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência)[20], estabeleceu que os serviços de radiodifusão deveriam permitir o uso dos recursos de subtitulação, audiodescrição e janela de Libras.[21]
Aretha Fernandes esclarece que “os recursos para tornar os conteúdos audiovisuais acessíveis existem e até são orientados em leis como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). São a audiodescrição, a janela de Libras e a legenda oculta. Esses recursos são pouco utilizados pela maioria das organizações e por quem trabalha com produção audiovisual e publicidade.”[22]
Ocorre que, para além da pouca utilização geral das libras, por conhecimento empírico é possível perceber que o meio mais utilizado é o menos efetivo.
Isto porque, nem todos os surdos compreendem as legendas em português e 80% das pessoas surdas no mundo não possuem elevado nível de escolaridade, o que compromete a compreensão da língua nativa dos países.[23] [24] [25] [26]
Ou seja, como exemplo, para uma pessoa que nasce surda no Brasil e não é alfabetizada em português, as legendas não auxiliam em nada, não promovem verdadeira inclusão e acessibilidade, não garantem os direitos constitucionais de igualdade, informação e cultura.
Portanto, conforme ilustra o site LIBRAS-SE, “incluir janela de Libras em vídeos é essencial para tornar os conteúdos inclusivos e acessíveis.”[27], visto que, conforme explica Maria Izalete Inácio Vieira, “o seu uso nos veículos de comunicação se constitui em um meio eficaz de promoção da inclusão social dos surdos.”[28]
Não obstante a necessidade de incluir vídeos inclusivos e acessíveis, conforme ilustra a Secretaria de Acessibilidade da UFC, a janela de libras “é obrigatória somente no horário político e em campanhas institucionais do governo e de utilidade pública.”[29], bem como em “todas as produções audiovisuais financiadas com recursos públicos federais geridos pela ANCINE.”[30]
Ou seja, a obrigatoriedade atual quanto à janela de libras não é suficiente e não garante os direitos constitucionais à comunidade surda como um todo. Na prática, o que se verifica, nas palavras de Aretha Fernandes, é que “o entretenimento e a notícia estão lá. Para alguns! A acessibilidade? Passa longe.”[31]
Destarte, resta evidente que a janela de libras em tempo integral é um direito das pessoas com deficiência auditiva, este baseado nos direitos constitucionais de igualdade, informação e cultura, vez que somente por intermédio do citado recurso restarão garantidos o acesso e a inclusão à comunidade surda.
[1] https://www.libras-se.com/post/por-que-incluir-janela-de-libras-em-videos – Acessado em 22.09.2022
[2] https://www.libras-se.com/post/o-que-e-libras – Acessado em 22.09.2022
[3] https://www.congressotils.com.br/anais/anais/tils2012_metodologias_traducao_vieira.pdf – Acessado em 22.09.2022
[4] https://www.libras-se.com/post/o-que-e-libras – Acessado em 22.09.2022
[5] https://www.libras-se.com/post/o-que-e-libras – Acessado em 22.09.2022
[6] https://www.libras-se.com/post/o-que-e-libras – Acessado em 22.09.2022
[7] https://www.libras-se.com/post/o-que-e-libras – Acessado em 22.09.2022
[8] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm – Acessado em 23.09.2022.
[9] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm – Acessado em 23.09.2022.
[10] https://www.libras-se.com/post/por-que-incluir-janela-de-libras-em-videos – Acessado em 22.09.2022
[11] https://mwpt.com.br/por-que-e-como-adotar-a-janela-de-libras-no-seu-conteudo-digital/ – Acessado em 22.09.2022
[12] https://www.libras-se.com/post/por-que-incluir-janela-de-libras-em-videos – Acessado em 22.09.2022
[13] https://mwpt.com.br/por-que-e-como-adotar-a-janela-de-libras-no-seu-conteudo-digital/ – Acessado em 22.09.2022
[14] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
[15] Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação.
[16] Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
[17] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10098.htm – Acessado em 22.09.2022
[18] Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.
[19] Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva, na forma e no prazo previstos em regulamento.
[20] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm – Acessado em 22.09.2022
[21] Art. 67. Os serviços de radiodifusão de sons e imagens devem permitir o uso dos seguintes recursos, entre outros: I – subtitulação por meio de legenda oculta; II – janela com intérprete da Libras; III – audiodescrição.
[22] https://mwpt.com.br/por-que-e-como-adotar-a-janela-de-libras-no-seu-conteudo-digital/ – Acessado em 22.09.2022
[23] https://www.congressotils.com.br/anais/anais/tils2012_metodologias_traducao_vieira.pdf – Acessado em 22.09.2022
[24] https://www.libras-se.com/post/por-que-incluir-janela-de-libras-em-videos – Acessado em 22.09.2022
[25] https://mwpt.com.br/por-que-e-como-adotar-a-janela-de-libras-no-seu-conteudo-digital/ – Acessado em 22.09.2022
[26] http://www.filologia.org.br/rph/ANO25/74/14.pdf – Acessado em 22.09.2022
[27] https://www.libras-se.com/post/por-que-incluir-janela-de-libras-em-videos – Acessado em 22.09.2022
[28] https://www.congressotils.com.br/anais/anais/tils2012_metodologias_traducao_vieira.pdf – Acessado em 22.09.2022
[29] https://acessibilidade.ufc.br/pt/acessibilidade-comunicacional-janela-de-libras/#:~:text=Segundo%20a%20mesma%20norma%2C%20a,m%C3%A3os%20e%20da%20express%C3%A3o%20facial. – Acessado em 22.09.2022
[30] https://mwpt.com.br/por-que-e-como-adotar-a-janela-de-libras-no-seu-conteudo-digital/ – Acessado em 22.09.2022
[31] https://mwpt.com.br/por-que-e-como-adotar-a-janela-de-libras-no-seu-conteudo-digital/ – Acessado em 22.09.2022