Jaíne Hellen Machnicki – Advogada
O Transtorno do Espectro Autista é conhecido há muito tempo, apesar das inúmeras variações de nomenclatura e definição ocorridas ao longo dos anos. Em 1952 era tratado como reação esquizofrênica, em 1968 como esquizofrenia tipo infantil, em 1980 foi inserido nos transtornos globais de desenvolvimento, e somente em 2013 passou a ser entendido como Transtorno do Espectro Autista.[1]
Atualmente, entende-se, sinteticamente, que o Transtorno do Espectro Autista é um distúrbio de neurodesenvolvimento que causa prejuízos precoces na comunicação e na interação social, além de comportamentos repetitivos e interesses restritos. Neste sentido, vale frisar que autismo não é uma doença, não é possível transmitir autismo. É uma condição advinda da atipicidade de desenvolvimento neurológico.[2]
Apesar de existirem critérios diagnósticos, sabe-se que o espectro é muito amplo e a forma de apresentação das características é bastante variável. Diariamente, a Comunidade Autista, em conjunto com a Comunidade Médica e Psicológica, busca aclarar tais características, dando visibilidade à diversidade existente no Espectro, pois, em que pesem as definições diagnósticas e legais, cada autista é único e possui inúmeras particularidades.[3]
Para fins jurídicos, adota-se a definição do artigo 1º, § 1º, da Lei 12.764/2012:
Art. 1º […]
1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II:
I – deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;
II – padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.
A Lei Berenice Piana[4], supracitada, instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e ficou marcada por equiparar os autistas as pessoas com deficiência para todos os fins legais:
2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.
A partir dessa equiparação, tem-se que todos os direitos garantidos às pessoas com deficiência também devem ser garantidos àquelas no espectro autista.
No âmbito da mobilidade urbana, verifica-se que a Lei 8.989/1995, garante a isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) na aquisição de veículos para pessoas com deficiência, já incluindo autistas expressamente em sua redação:
Art. 1º Ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a 2.000 cm³ (dois mil centímetros cúbicos), de, no mínimo, 4 (quatro) portas, inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustível de origem renovável, sistema reversível de combustão ou híbrido e elétricos, quando adquiridos por: […]
IV – pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal;
[…]
3o Na hipótese do inciso IV, os automóveis de passageiros a que se refere o caput serão adquiridos diretamente pelas pessoas que tenham plena capacidade jurídica e, no caso dos interditos, pelos curadores;
[…]
6o A exigência para aquisição de automóveis equipados com motor de cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro portas, inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de combustão não se aplica aos portadores de deficiência de que trata o inciso IV do caput deste artigo.
7º Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, a aquisição com isenção somente se aplica a veículo novo cujo preço de venda ao consumidor, incluídos os tributos incidentes, não seja superior a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Nas palavras de Bruna Katz e Raquel Tedesco:
A pessoa com autismo pode adquirir veículos com isenção de IPI, ICMS e IPVA, o que acarreta desconto significativo no valor final do automóvel. Não é necessário que seja condutor, desde que haja indicação de três condutores habilitados. O benefício pode ser exercido uma vez a cada dois anos.[5]
Maiores informações podem ser obtidas por intermédio do site do Governo Federal[6] e também através de inúmeros sites e blogs que ilustram o passo a passo, tais como o blog autismo legal que detalhou o processo de isenção em sua página.[7]
Entre outros fatores, a isenção se justifica aos autistas dada a dificuldade na utilização dos meios de transportes coletivos, sobretudo porque, conforme já destacado, um dos pilares do transtorno é a dificuldade social. Assim, cabe ao Estado garantir o acesso facilitado aos automóveis próprios.
Do mesmo modo, resta garantido o estacionamento em vagas especiais, conforme artigo 7º da Lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000:
Art. 7o Em todas as áreas de estacionamento de veículos, localizadas em vias ou em espaços públicos, deverão ser reservadas vagas próximas dos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção.
Parágrafo único. As vagas a que se refere o caput deste artigo deverão ser em número equivalente a dois por cento do total, garantida, no mínimo, uma vaga, devidamente sinalizada e com as especificações técnicas de desenho e traçado de acordo com as normas técnicas vigentes.
Nas palavras de Bruna Katz e Raquel Tedesco:
Os autistas têm direito à vaga especial no estacionamento público, privado e na área azul, mesmo que não sejam os condutores do veículo. Essas vagas ficam localizadas em áreas estratégicas, bem próximas à porta de entrada de shoppings e supermercados. Para utilizar essas vagas é necessário fazer o Cartão DEFIS, emitido pela autoridade de trânsito.[8]
Igualmente, o “Autismo Legal” explica que “a pessoa com TEA é deficiente de acordo com a Lei 12764/2012, portanto, não importa se ela tem como se locomover sem dificuldades, ela tem direito a usar a vaga especial. Entretanto, não é simplesmente parar na vaga. É necessário que se faça a solicitação do Cartão DeFis.”[9]
Para além das dificuldades já mencionadas, a facilitação do estacionamento ao autista permite que este se encontre em equidade aos demais, mormente considerando que para um neurotípico a busca por uma vaga de estacionamento certamente não é tão desgastante quanto para um autista.
Ainda, recentemente, a Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba anunciou que fornecerá aos autistas cadastrados (com CIPTEA) um protetor de cinto de segurança veicular, para identificação do transtorno.
Conforme matéria veiculada pelo site do Governo do Estado do Paraná em 27/04/2022, “Segundo a Secretaria de Justiça, Família e Trabalho (SEJUF), responsável pela disponibilização da CIPTEA às pessoas com autismo, mais de 3 mil pessoas já possuem a carteirinha. Esses indivíduos receberão, por meio de mensagem de texto, uma notificação no número de celular cadastrado com as orientações para realizar a retirada do protetor de cinto.”[10]
No Paraná, o cadastro mencionado, advindo da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA)[11], pode ser realizado através do site do Governo do Estado, basta seguir todas as orientações ilustradas no próprio endereço da internet, que contém vídeos tutoriais e manuais específicos.[12]
Referida carteirinha (CIPTEA) é direito dos autistas e restou instituída em 2020, através da Lei Romeu Mion, nº 13.977[13], visando facilitar a identificação e garantir os direitos dos autistas:
Art. 3º-A. É criada a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), com vistas a garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social.
Conforme orientações publicadas no site do Governo do Estado do Paraná, “o documento digital facilita a identificação e a prioridade no atendimento em serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social. No caso dos particulares, isso inclui supermercados, bancos, farmácias, bares, restaurantes e lojas em geral.”[14]
Isto porque, é direito do autista estar e frequentar todos os lugares:
[…] tem-se que o acesso a todos os lugares é direito fundamental do autista. Isto porque, é direito do autista o lazer e para tanto frequentar clubes, ir ao cinema, ao teatro, ao parque, ao circo, a apresentações e eventos culturais de todos os tipos. É direito do autista o acesso aos serviços de saúde, portanto, ir ao hospital, à terapia, ao posto de saúde, a farmácia, ao consultório médico, ter uma alimentação de qualidade, portanto, ir ao mercado, ao açougue, a padaria, etc. É direito do autista o acesso a educação, por conseguinte, frequentar a escola, a biblioteca, qualquer curso, a faculdade/universidade. É direito do autista a moradia, portanto, ter a sua casa, receber visitas e visitar a casa dos seus familiares e amigos. É direito do autista o labor, para tanto frequentar o ambiente de trabalho. São apenas exemplos. Assim, em que pese não apresentar expressamente em seu texto, é clarividente que o ordenamento jurídico vigente garante ao autista o direito de estar e frequentar todos os lugares.[15]
Referidos direitos são apenas alguns exemplos relacionados à mobilidade urbana, existem ainda os descontos em passagens aéreas para o acompanhante do autista, o passe livre para famílias de autistas carentes, o próprio direito de ir e vir, entre outros.
Nas palavras de Bruna Katz e Raquel Tedesco:
O programa Passe Livre do Governo Federal garante gratuidade nas viagens interestaduais de ônibus, barco ou trem e é direito válido apenas para famílias de autistas carentes. Já em relação à passagem aérea, o acompanhante da pessoa com autismo paga, no máximo, 20% do valor, ou seja, tem um desconto de 80%. É importante informar-se previamente, algumas companhias aéreas chegam a fornecer um desconto de 100% para o acompanhante.[16]
Aqui, destacam-se aqueles relacionados ao transporte individual, uma vez que, conforme já ilustrado, em regra, autistas possuem intensa dificuldade na utilização dos meios de transportes coletivos, sobretudo porque um dos pilares do transtorno é a dificuldade social. Assim, tem-se que a garantia ao transporte individual, de qualidade e seguro, é dever do Estado para com os autistas, por uma questão de necessidade e respeito às diferenças.
Neste dia 13 de maio, em que se comemora o dia do Automóvel e, ainda na lembrança do mês de abril, de conscientização do autismo, vale o destaque dos direitos relacionados aos temas.
Destarte, para além da proteção integral, legalmente garantida, é direito do autista a mobilidade urbana segura, com a aquisição de veículos sem impostos, vagas de estacionamento especiais, e a promoção de políticas públicas em seu benefício, tais como a Carteirinha de Identificação do Autista e os protetores com identificação para utilização em cinto de segurança veicular.
[1] CAMPOS, Viviane; LOPES, Jaqueline. Coleção Saúde da Mente: 80 Mitos e Verdades sobre Autismo. Bauru, São Paulo: Editora Alto Astral, 2019. p. 11.
[2] CAMPOS, Viviane; LOPES, Jaqueline. Coleção Saúde da Mente: 80 Mitos e Verdades sobre Autismo. Bauru, São Paulo: Editora Alto Astral, 2019. p. 11.
[3] https://www.migalhas.com.br/depeso/363294/dia-mundial-do-autismo-e-o-direito-do-autista – Acessado em 11.05.2022
[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm
[5] https://raqueltedesco.jusbrasil.com.br/artigos/561674095/voce-conhece-os-principais-direitos-da-pessoa-com-autismo – Acessado em 11.05.2022
[6] https://www.gov.br/pt-br/servicos/obter-isencao-de-impostos-para-comprar-carro#:~:text=Pessoas%20com%20defici%C3%AAncia%20f%C3%ADsica%2C%20visual,cada%202%20(dois)%20anos. – Acessado em 11.05.2022
[7] https://blog.autismolegal.com.br/isencao-de-impostos-na-compra-de-veiculos-para-autistas/ – Acessado em 11.05.2022
[8] https://raqueltedesco.jusbrasil.com.br/artigos/561674095/voce-conhece-os-principais-direitos-da-pessoa-com-autismo – Acessado em 11.05.2022
[9] https://blog.autismolegal.com.br/vaga-especial-para-autista/ – Acessado em 11.05.2022
[10] https://www.saude.pr.gov.br/Noticia/Sesa-vai-disponibilizar-protetores-de-cinto-de-seguranca-aos-autistas – Acessado em 11.05.2022
[11] https://www.passelivre.pr.gov.br/dhcpasselivre/login.do?action=carregarLogin&caut=true – Acessado em 11.05.2022
[12] https://www.passelivre.pr.gov.br/dhcpasselivre/consultaPublicaCiptea.do?action=exibirTutoriais&caut=true – Acessado em 11.05.2022
[13] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13977.htm – Acessado em 11.05.2022
[14] https://www.justica.pr.gov.br/servicos/Assistencia/Direitos-e-Cidadania/Solicitar-a-Carteira-do-Autista-gwoBgeNz – Acessado em 11.05.2022
[15] https://www.migalhas.com.br/depeso/363294/dia-mundial-do-autismo-e-o-direito-do-autista – Acessado em 11.05.2022
[16] https://raqueltedesco.jusbrasil.com.br/artigos/561674095/voce-conhece-os-principais-direitos-da-pessoa-com-autismo – Acessado em 11.05.2022