Kassia Hellen Martins – Acadêmica de Direito
Jaíne Hellen Machnicki – Advogada
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”[1]. A percepção do Patrono da Educação Brasileira e autor da obra Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire, é a prova de que a educação influencia no desenvolvimento cultural e social, portanto, tem papel fundamental na inclusão.
A fim de compreender a educação como garantia de direito, a Constituição Federal alça a educação como direito social inerente a todas as pessoas, além de determinar que o Estado deve promover e incentivar a educação com a colaboração da sociedade, cujo objetivo seja a garantia do direito à educação com igualdade de condições, permanência escolar, num contexto de educação livre e democrática.[2]
Neste sentido, o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, em seu artigo 23[3] aponta que as instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços adequados, como serviços de tradutor e intérprete de Libras, bem como deve ser proporcionado aos professores e professoras o acesso à literatura e informações sobre as especificidades que envolvem a linguísticas de alunos e alunas que possuem deficiência auditiva.
Porém, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), atualmente há apenas 64 escolas bilíngues de surdos, contando com 63.106 alunos surdos (Inep, 2020)[4].
Vale dizer que desde 2002 a Língua Brasileira de Sinais – Libras foi considerada como um idioma oficial do Brasil, conforme Lei Federal nº 10.436/2002: “É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados”[5].
Não obstante, até os dias atuais, o referido idioma oficial não se encontra na grade curricular de escolas de iniciativa pública e privada.
Veja-se, atualmente, a medicina relaciona a surdez em quatro níveis diferentes, sendo: leve, moderada, severa e profunda[6] e segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), 5% da população brasileira é composta por pessoas com deficiência auditiva, o que corresponde a pouco mais de 10 milhões de cidadãos, sendo que 2,7 milhões de pessoas não escutam nada por estarem em situação de surdez profunda.[7]
Infelizmente, considerando as questões supra, grande parte da população com deficiência auditiva não resulta de uma educação de qualidade e inclusão na sociedade brasileira. É o que mostra pesquisa realizada por Louise Moraes, onde questionou-se 49 pessoas acerca de quais os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil. Na perspectiva das pessoas entrevistadas, o principal desafio decorre da falta da inclusão da Língua Brasileira de Sinais como disciplina curricular obrigatória na educação básica.[8]
Mesmo 20 anos depois da Libras ser considerado idioma oficial no Brasil, as pessoas surdas não conseguem realizar tarefas que são de praxe para a população não surda, tais como: ir ao banco, hospital, entrevistas de empregos, universidades. Isso pois a população que não possui deficiência não sabe se comunicar, nem mesmo de forma básica, tendo a depender do local/serviço, pagar uma pessoa especializada como intérprete para intermediar a comunicação entre as partes.
Gabriela Carolina, estudante que conta com apoio de colegas de intérprete oral, relata a importância do apoio e serviço, mas reitera que é necessário muito mais, como por exemplo, vídeo aulas legendadas: “Minha maior dificuldade era me comunicar com os professores, muitas vezes eu me via perdida entre o que eles falavam e o que era para fazer”[9], explica a aluna.
A inclusão admite a desigualdade e permite movimentos para reduzi-la, por isso cada vez mais se faz necessário refletir questões estruturais e ressignificar conceitos inverídicos. A negativa de inclusão significa a própria negativa de vida, pois impede o exercício do viver dignamente às pessoas com deficiência.
Assim, não é demais trazer os dizeres do Ministro Alexandre de Moraes: “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”.[10]
Destarte, considerando que o desenvolvimento humano se faz por meio da comunicação, fica evidente que a educação é um dos maiores recursos para o avanço da inclusão social e deve ser incentivada em todos os âmbitos, notadamente no que tange ao ensino de libras.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Brasília, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 34.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006
Sancionada lei que inclui educação bilíngue de surdos na LDB. Presidência da República, 2021. Disponível em < https://bit.ly/3U9mOh7>. Acesso em: 02, set. 2022.
Biblioteca Virtual em Saúde, Ministério da Saúde. Disponível em: < https://bit.ly/3LaV9IB>. Acesso em: 02, set. 2022.
População brasileira é composta por mais de 10 milhões de pessoas surdas. G1, 2020. Disponível em: http://glo.bo/3DlC5Wd. Acesso em: 02, set. 2022.
MORAES, Louise. Quais são os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil?. Scielo em perspectiva humanas, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3dbmHRs. Acesso em: 13, set. 2022.
Falta de acessibilidade afasta estudantes surdos da escola. Disponível em: https://bit.ly/3U7OCm2. Acesso em: 04, set. 2022.
MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. 13ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003, p.63.
[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 34.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
[2] Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) IX – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.
[3] Art. 23. As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Líbras – Língua Portuguesa em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação. §1º. Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade lingüística do aluno surdo. §2º. As instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino federal, estadual, municipal e do Distrito Federal buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação.
[4] Sancionada lei que inclui educação bilíngue de surdos na LDB. Presidência da República, 2021. Disponível em < https://bit.ly/3U9mOh7>. Acesso em: 02, set. 2022.
[5] BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Brasília, 2002. Disponível em: https://bit.ly/3QReBvi. Acesso em: 02, set. 2022.
[6]Biblioteca Virtual em Saúde, Ministério da Saúde. Disponível em: < https://bit.ly/3LaV9IB>. Acesso em: 02, set. 2022.
[7] População brasileira é composta por mais de 10 milhões de pessoas surdas. G1, 2020. Disponível em: http://glo.bo/3DlC5Wd. Acesso em: 02, set. 2022.
[8] MORAES, Louise. Quais são os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil?. Scielo em perspectiva humanas, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3dbmHRs. Acesso em: 13, set. 2022.
[9] Falta de acessibilidade afasta estudantes surdos da escola. Disponível em: https://bit.ly/3U7OCm2. Acesso em: 04, set. 2022.
[10] MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. 13ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003, p.63.