Marina Luísa Leonardi – Acadêmica de Direito
Priscila Maia Bueno – Advogada
No dia 6 de agosto, por meio da Lei nº 13.054/14, foi estabelecido o Dia Nacional dos Profissionais da Educação, data que visa enaltecer a relevância destes profissionais, essenciais à difusão de conhecimento e desenvolvimento social do país.
É inegável que a educação é o principal meio para que haja verdadeira mudança social, sendo um mecanismo indispensável para a efetivação da democracia. Sua importância é tão valiosa, que o direito à educação é amparado pela Constituição Federal[1], expresso no rol dos direitos sociais do artigo 6º, in litteris:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Ademais, nos termos do artigo 205 da Carta Magna, a educação é um direito de todos e uma obrigação que deve ser garantida pelo Estado e pela família. É necessário ser promovido e incentivado com a colaboração da sociedade, porquanto é ferramenta essencial ao desenvolvimento, exercício da cidadania, qualificação ao trabalho e emancipação cultural e intelectual.
Nesse sentido, revela-se primordial a função e a valorização do profissional da educação, que é o agente responsável pela propagação dos mais variados estudos e aptidões, sobretudo quanto à preparação profissional. Além disso, a aquisição de conhecimento, per se, já contribui para o progresso pessoal, ampliando as oportunidades de atuação, pesquisa, contribuição e integração à sociedade.
Com isso, o conhecimento auxilia no exercício da democracia, assim como o acesso à educação integra a dignidade da pessoa humana, princípio constitucional. Inclusive, um dos princípios norteadores do direito basilar à educação é a valorização dos profissionais da educação escolar, conforme o art. 206, inciso V da Constituição Federal. Assim, toda a rede de ensino, pública ou privada, tem a responsabilidade de fornecer subsídios de acesso à aprendizagem.
Embora essa responsabilidade seja atribuída especificamente aos profissionais, discute-se hoje a possibilidade de reconhecimento da educação domiciliar (homeschooling), modo de ensino a ser aplicado em casa, pelos próprios pais ou responsáveis pelo aluno.
Nessa toada, em 19 de maio de 2022, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 1.388/2022[2], que busca autorizar a educação domiciliar no Brasil por meio da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).
Atualmente, o projeto tramita no Senado Federal, que promove audiências públicas interativas para discutir a hipótese por intermédio da Comissão de Educação (CE), de modo que já é possível identificar controvérsias sobre o assunto.
Destaca-se que foram estipulados alguns requisitos para o ensino domiciliar, tais como a necessidade de o estudante estar devidamente matriculado em instituição de ensino, que terá a função de acompanhar a evolução do aprendizado.
Ademais, para o ensino domiciliar, não há necessidade de certificação específica de profissionais da educação, mas um dos pais ou responsáveis deve ter escolaridade de nível superior, ou em educação profissional tecnológica em curso reconhecido, bem como certidões criminais da Justiça Federal e Estadual ou Distrital.
Quanto ao teor das discussões, para muitos, a educação domiciliar representa a ampliação do direito à educação, uma forma viável de garantir o desenvolvimento pleno das crianças e dos jovens, tudo com a supervisão do Poder Público. Segundo o site do Senado[3], no momento, a maioria dos cidadãos é a favor da possibilidade da educação domiciliar.
Todavia, há vários questionamentos sobre a hipótese de implementação do modelo de ensino. Em especial, sobre possíveis ofensas ao princípio da igualdade de condições de acesso e permanência na escola, da liberdade de aprender e do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. Para alguns, a problemática se encontra na opção individual dos pais ou responsáveis, que pode vir a se sobressair em detrimento à educação escolar.
A exemplo, o senador Confúcio Moura opina que a educação escolar não ocasiona ganho de qualidade e pode gerar ainda mais desigualdade. A senadora Zenaide Maia complementa tal raciocínio e aduz que, na realidade, a iniciativa tem por objetivo o corte de verbas para a rede de ensino público, como meio de retirar do Estado a responsabilidade pela diminuição das desigualdades na educação e na renda.
Fala-se na importância da escola não apenas pelo aprendizado de conteúdos educacionais, mas como ambiente de socialização, de contato com diferentes visões, diversidade cultural e amadurecimento emocional.
Os pontos elencados ainda serão amplamente debatidos nas audiências públicas da Comissão da Educação[4]. Há de ser abordado o impacto do homeschooling nos ensinos privado e público, a regulamentação da prática fora do Brasil e o impacto do ensino domiciliar em políticas de combate à desigualdade social e violência contra crianças, entre outros.
Apesar disso, é fato que a educação domiciliar já existe e adquiriu grandes proporções com a pandemia da Covid-19. Aproximadamente 2,5 mil famílias brasileiras praticam a modalidade de ensino, como afirma Gustavo Campos, idealizador do projeto de lei, de modo que deve haver a devida regulamentação.
No que tange às discussões sobre o homeschooling em outros países, a National Homeschool Association[5] constatou que, nos Estados Unidos, a educação domiciliar é legalmente permitida em todos os 50 estados, apesar de alguns serem mais favoráveis que outros.
A título de exemplo, enquanto no estado de Oklahoma os pais não são obrigados a comunicar as autoridades locais antes de iniciarem a educação dos filhos em casa, em Massachusetts deverá ocorrer aprovação de currículo dos pais ou responsáveis, avaliação de trabalhos dos alunos, dentre outros fatores.
Já em alguns países, foi completamente proibida a educação domiciliar, como na Alemanha, onde há diversos casos de pais que foram multados, presos, e até perderam a custódia de seus filhos em razão da prática de homeschooling[6]. Isso demonstra que a regulamentação desse modelo depende das leis locais e do contexto cultural que compreende as práticas educacionais.
Evidente que, mesmo que não haja um consenso global sobre o tema, diversos países analisaram as controvérsias sobre o ensino domiciliar e estabeleceram normas específicas. Imperativo, portanto, que no Brasil também haja regulamentação para um modelo de ensino que já se mostra realidade.
Destarte, é preciso entender se o homeschooling no Brasil representa a ampliação da garantia de acesso à educação, ou a limitação, o que poderia gerar um aumento da desigualdade educacional. Assim, verifica-se imprescindível a continuidade da análise de todos os fatores que incidem sobre o tema.
[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
[2]https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/05/26/projeto-que-autoriza-educacao-domiciliar-comeca-a-ser-discutido-no-senado
[3] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/153194
[4]https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/06/23/educacao-domiciliar-ce-faz-1a-de-6-audiencias-sobre-homeschooling
[5]https://www.mises.org.br/article/153/o-homeschooling-nos-eua-e-no-brasil#:~:text=A%20National%20Homeschool%20Association%20observou,homeschooling%2C%20pois%20os%20pais%20n%C3%A3o
[6] COSTA, Fabrício Veiga. Homeschooling no Brasil: constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei 3179/12. Revista de Pesquisa e Educação Jurídica, v. 1, n. 1, p. 86-112, 2015.