Roberta Majeski – Acadêmica de Direito
Ricardo Stein – Acadêmico de Direito
Jaíne Hellen Machnicki – Advogada
O Brasil adota um modelo político de democracia social, participativa e pluralista, na qual “todo poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”[1]. Assim, o poder soberano do Estado pertence ao povo, que deve ser exercido pelo sufrágio universal, voto direto e secreto, com valor igual para todos, demonstrando a aplicação expressa dos direitos políticos[2].
Ainda, o Estado Democrático de Direito, conforme expressamente previsto no artigo 3º, I, da Carta Magna[3], se fundamenta na dignidade da pessoa humana e na cidadania, tendo como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, para assim, impedir a prática de qualquer forma de discriminação e preconceito, aplicando-se sempre os preceitos da inclusão social.
Para José Afonso da Silva[4], a definição de direito político é a que “o voto é o ato político que materializa, na prática, o direito público subjetivo de sufrágio. É ato também jurídico. Portanto, a ação de emiti-lo também é um ato de direito”. A par disso, Dalmo de Abreu Dallari complementa “conquanto seja obrigatório e passível de sanção pelo seu não cumprimento, o voto constitui-se, também, em função social ligada ao dever social que, num regime democrático, impõe ao indivíduo o dever de manifestar a sua vontade”[5].
Em linhas gerais, portanto, o ato de votar é um exercício de direito/dever, uma vez que cabe ao individuo o direito de manifestar sua vontade e a obrigação de o fazer, visando alcançar os objetivos do Estado Democrático de Direito.
Considerando isto, no Brasil, é vedada a cassação dos direitos políticos. Contudo, tal direito pode ser perdido ou suspenso, nos casos de cancelamento da naturalização, incapacidade civil absoluta, condenação criminal transitada em julgado, recusa de cumprir obrigação a todos impostas e improbidade administrativa, conforme determinam os incisos do artigo 15 da Constituição Federal[6].
Nesse sentido, importante enfatizar que a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) [7] alterou a redação do artigo 3º do Código Civil[8], a qual determinava que os absolutamente incapazes eram os menores de 16 anos e aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil e os que não pudessem exprimir sua vontade.
Assim, a partir da alteração promovida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, consideram-se como absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos.
Em virtude desta alteração, no que tange aos direitos políticos, alcançou-se a inclusão social das pessoas com deficiência, uma vez que houve o reconhecimento de seus direitos, em especial, o direito ao voto, expresso no artigo 14, § 1º, I, da Constituição Federal[9]. Neste sentido, importante destacar que, conforme ilustra Maria Tereza Sadek, a inclusão social em uma sociedade democrática é de suma importância, uma vez que “a inclusão significa, antes de mais nada, o reconhecimento dos direitos políticos. Os direitos políticos correspondem àqueles direitos que facultam a todo e qualquer indivíduo, independentemente de sua origem social, de sua cor, de sua escolaridade, de seu gênero, ter igual participação na vida política.”[10]
No mesmo intento de inclusão, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) trouxe, em seu artigo 76, § 1º, expressamente que “à pessoa com deficiência será assegurado o direito de votar e de ser votada”.[11]
Muito embora a alteração em voga tenha representado um significativo avanço no que tange à garantia de direitos das pessoas com deficiência, fato é que muitas barreiras ainda se impõe à efetivação desses direitos na prática.
Em outras palavras, embora o direito ao voto seja garantia de todos os cidadãos, de modo que seu exercício não pode ser impedido por omissão legislativa ou por incompleta realização de políticas públicas, não se pode deixar de considerar as dificuldades no acesso ao voto enfrentadas por pessoas com deficiência.
Considerando isto, a fim de assegurar o direito à participação na vida pública e políticas das pessoas com deficiência, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) também prevê em seu artigo 76[12] a responsabilidade do poder público de adotar políticas a fim de garantir à estas pessoas o exercício de seus direitos políticos em igualdade de condições com os demais.
A adoção de medidas legislativas que ampliem o acesso à votação é imprescindível na medida em que a pessoas com deficiência representam 1.271.381 do eleitorado brasileiro em 2022. Um aumento de 35,27% em relação a 2018, ano em que os eleitores que precisam de atendimento ou alguma condição especial para exercer o voto correspondiam a 939.915 dos eleitores.[13]
Diante desse significativo aumento do eleitorado com deficiência, o Estado não pode se eximir de fomentar políticas públicas de inclusão, sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana, bem como aos demais preceitos do Estado Democrático de Direito.
Vale destacar, brevemente, que as políticas públicas vigentes neste sentido são insuficientes e defasadas em relação à realidade das pessoas com deficiência, além de claramente segregadoras, mormente porque, visam separar as pessoas com deficiência das pessoas sem deficiência, ao invés de incluí-las e tornar acessíveis os locais para todos.
Veja-se, a participação política do cidadão com deficiência, por representar conquista histórica, não pode ser exigida pelo Estado sem garantir os meios próprios, dignos e amplos para que tal direito seja exercido, com inclusão.
Em sendo assim, garantir às pessoas com deficiência os seus direitos políticos é dever do Estado democrático de Direito, levando em consideração os princípios constitucionais, sistema de valoração que deve ser aplicado no que tange a igualdade material e formal em relação aos demais, levando sempre em consideração a dignidade da pessoa humana e dos interesses específicos e distintos das pessoas com deficiência.
Destarte, conclui-se que o voto é um direito/dever da pessoa com deficiência, bem como que cabe ao Estado garantir a efetivação deste direito/dever em igualdade de condições aos demais, atendendo aos preceitos de inclusão social e dignidade da pessoa humana, para os fins do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 356.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, p. 156.
SADEK, Maria Tereza Aina. A Justiça Eleitoral nos períodos de redemocratização. In: PASSARELI, Eliana (Coord.). Justiça Eleitoral: uma retrospectiva. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005, p. 104-106
Brasil tem mais de 156 milhões de eleitoras e eleitores aptos a votar em 2022. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Julho/brasil-tem-mais-de-156-milhoes-de-eleitoras-e-eleitores-aptos-a-votar-em-2022-601043>. Acesso em: 26 out. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm
[1] Constituição Federal. Art. 1º. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
[2] Constituição Federal. Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante.
[3] Constituição Federal. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
[4] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 356
[5] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, p. 156.
[6] Constituição Federal. Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II – incapacidade civil absoluta; III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
[7] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm#art114. Acessado em 28/10/2022.
[8] Código Civil. Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
[9] Constituição Federal. Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: […] § 1º O alistamento eleitoral e o voto são: I – obrigatórios para os maiores de dezoito anos; […]
[10] SADEK, Maria Tereza Aina. A Justiça Eleitoral nos períodos de redemocratização. In: PASSARELI, Eliana (Coord.). Justiça Eleitoral: uma retrospectiva. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005, p. 104-106
[11] Estatuto da Pessoa com Deficiência. Art. 76. […] § 1º À pessoa com deficiência será assegurado o direito de votar e de ser votada, inclusive por meio das seguintes ações: […].
[12] Estatuto da Pessoa com Deficiência. Art. 76. O poder público deve garantir à pessoa com deficiência todos os direitos políticos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de condições com as demais pessoas.
[13] Brasil tem mais de 156 milhões de eleitoras e eleitores aptos a votar em 2022. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Julho/brasil-tem-mais-de-156-milhoes-de-eleitoras-e-eleitores-aptos-a-votar-em-2022-601043>. Acesso em: 26 out. 2022.