Em abril deste ano, o chefe do executivo editou, dentro de suas competências, a Medida Provisória 881, a qual ficou conhecida como a “Medida da liberdade econômica”; referida MP resultou no sancionamento da Lei 13.874 de 20 de setembro de 2019.
Esta nova lei traz diversas alterações no ordenamento jurídico, modificando a Consolidação das Leis do Trabalho, a Lei das Sociedades Anônimas, o Código Civil, além de diversas outras leis esparsas. Alterações acerca do Código Civil, mais especificamente sobre o Instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica é o que se pretende abordar.
Quando a pessoa jurídica passa a desenvolver papel divergente para o qual foi criado, ela descaracteriza sua função como agente em favor ao desenvolvimento da economia. Como mecanismo para evitar o abuso de poderes pelo empresário, foi desenvolvido a Desconsideração da Personalidade Jurídica.
Antes de aprofundar-se no tema, pertinente realizar algumas considerações acerca do instituto. Não é unanimidade na doutrina o marco histórico de sua primeira aparição, sendo na Inglaterra no século XIX, mais especificamente em 1897 no caso Salomon versus Salomon & CO, a tese mais aceita [1]. A nível nacional, quem o apresentou, requerendo sua aplicação pela via jurisprudencial, visto que a época, o ordenamento vigente não previa expressamente a aplicação do Instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica, foi o renomado jurista paranaense Rubens Requião. [2]
Em breve resumo, a desconsideração nada mais é do que do que imputar a entidade humana por trás da expressão de vontade da empresa, a responsabilidade por tal ato.
Sobre a desconsideração o artigo 50 do Código Civil, define que, é requisito necessário para o abuso da personalidade jurídica o desvio da finalidade ou confusão patrimonial. A referida MP trouxe algumas alterações, especificamente incluindo no texto a necessidade de dolo no desvio da finalidade, assim considerava “(…) desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”.
Com a sanção da Lei 13.874, o dolo foi retirado do texto legal, passando a constar que o o desvio da finalidade é a utilização da pessoa jurídica afim de lesar credores ou praticar atos ilícitos.
Da analise do artigo 49 do Código Civil, que também foi alvo da r. lei, pode-se dizer que sua reformulação é reprodução praticamente igual do artigo 20 do Código Civil de 1916 que assim trazia “ As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”. Sabe-se que o Código de 2002 não optou por reexpressar o ditame legal, gerando debates, que por fim acabaram por prevalecer a concepação da pessoa jurídica como realidade técnica e orgânica. De certa forma, tem-se que esta última alteração surge para reafirmar concepções doutrinárias já aceitas pela jurisprudência.
Com a vigência do Código de 2002, passou-se a ter uma incidência desproprocional e de certa forma abusiva do instituto, chegando a atingir sócios ou outros membrors da pessoa jurídica que não haviam praticada o ato ílicito, ou seja, abrangia-se a responsabilização para quem não havia dado causa. Crítica essa amplamente emanada pelos lobby empresarial.
Com a recente alteração, tem-se novos critérios objetivos para se caracterizar a incidência do instituto, o que na prática, pode vir a trazer maior certeza jurídica, daí o nome dado a Lei (Lei da liberdade econômica), pois visa a trazer uma maior segurança ao empresário, resguardando maior confiança no exercício da atividade empresarial, e espera-se que, consequentemente promova desenvolvimento da estagnada economia nacional.
[1] BRUSCHI. Gilberto Gomes. Aspectos Processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.14.
[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da Personalidade Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 35.