Augusto Mohd Popp – Acadêmico de Direito
Priscila Maia Bueno – Advogada
Na celebração do Dia Nacional do Advogado, em 11 de agosto, relembra-se que a própria Constituição Federal dispõe sobre o papel do advogado, indispensável à administração da justiça[1], conforme artigo 133. A data histórica remonta ao ano de 1824, quando foi promulgada a primeira Constituição Federal do Brasil. As duas primeiras faculdades de Direito foram inauguradas em 1827: a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, e a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco.
Sobre a evolução do Direito e da função do advogado, tem-se que a desjudicialização está entre as tendências no presente e nos próximos anos. Assim, a advocacia deve acompanhar as mudanças sociais, tecnológicas e de mercado, sobretudo para o desempenho da administração da justiça.
Nesse contexto, a Organização das Nações Unidas (ONU) já alertou os Estados sobre a necessidade de efetivar e preservar os direitos a partir de mecanismos que fomentem o cumprimento das leis, o fortalecimento da transparência e eficácia das instituições[2] e a participação da sociedade na administração pública, com medidas inclusivas, participativas e representativas.
Quanto ao mercado internacional, rememora-se que o Compliance surgiu com o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), Lei Anticorrupção Transnacional, inicialmente com foco nas punições por atos de corrupção e lavagem de dinheiro. Atualmente, o Compliance é mais abrangente e configura importante política de governança, com leis e normas técnicas que regem as dinâmicas empresariais no âmbito público e privado.
Além disso, tais políticas transcendem o mero exercício corporativo, porquanto atendem ao interesse público na medida em que as práticas comerciais se coadunam às obrigações e deveres legais. O Compliance forma a égide da boa administração empresarial, ao passo em que incorpora um importante elemento da participação da administração pública nos negócios.
Em suma, se as empresas atendem às condutas de governança corporativa, consequentemente intensificam a transparência nas transações econômicas, sejam nacionais ou internacionais, sem ignorar o incremento dessas práticas no próprio ambiente interno da companhias, em especial nas relações do alto escalão com os subordinados. Vale mencionar, por exemplo, os Deveres de Diligência, Lealdade e Informação atribuídos à administração das sociedades, conforme narra a Lei das Sociedades Anônimas entre os artigos 145 e 160[3].
Igualmente, o Compliance como instrumento de prevenção de conflitos pode contribuir substancialmente na desjudicialização, incluindo as hipóteses que envolvem os destinatários finais, como é o caso dos consumidores.
Já as técnicas de governança interna e externa valorizam a imagem da empresa e a confiabilidade de mercado, o que permite atrair investidores e melhorar as práticas de gestão, competitividade e diminuição de riscos.
Quanto à integridade como pilar das contratações públicas, conforme prevê o artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal[4], assim como a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), entre os objetivos e princípios fundamentais está a garantia do princípio constitucional da isonomia, com a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Isto porque, para a garantia da sustentabilidade social, ambiental e econômica, é imprescindível que o Estado disponha, por exemplo, de mecanismos de combate à corrupção, sobretudo nos serviços essenciais. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.[5]
De tal modo, o Compliance se afigura como uma das práticas indispensáveis da governança corporativa, no cumprimento das leis e normativas aplicáveis às espécies – to comply with – assim como as demais regulamentações negociais, a exemplo das técnicas de fair trade (comércio justo). O próprio fair trade contribui para o desenvolvimento sustentável ao proporcionar melhores condições de troca, o que gera parcerias e a garantia dos direitos para produtores e consumidores. É sobre melhores preços, condições de trabalho, sustentabilidade local e termos de comércio mais justos.[6]
Como aspecto essencial na gestão empresarial, além do tradicional combate à corrupção nas contratações públicas e privadas, o Compliance permite mapear as obrigações fiscais, trabalhistas e financeiras, os procedimentos da fragmentação do processo produtivo e maior segurança jurídica nas operações. Em contrapartida, a prevenção de riscos e garantia dos direitos envolvidos faz com que a desjudicialização seja paulatinamente a realidade no universo jurídico.
O Compliance se apresenta como uma estratégia fundamental para a desjudicialização, além de integrar a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, referente aos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável. Destaca-se que um dos objetivos é promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, assim como proporcionar o acesso à justiça e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.[7]
Não por outro motivo, uma das temáticas mais relevantes no momento são as políticas ESGs, tidas pelo Pacto Global como uma “preocupação crescente do mercado financeiro sobre a sustentabilidade”[8], ou seja, levando as preocupações inerentes e costumeiras da governança para o campo da preservação do meio ambiente. Todavia, é de extrema importância perceber a diferença entre as políticas efetivas de proteção ambiental e a camuflagem por vezes utilizada, denominada greenwashing – situação em que o discurso exteriorizado pelas companhias não condiz com as efetivas ações por elas desenvolvidas no cuidado com o meio[9].
Diante destas conceituações, a função do advogado contemporâneo passa a ter novos objetivos, o que ultrapassa a noção clássica da práxis contenciosa. Esses efeitos da advocacia consultiva podem ocasionar a amplificação do mercado jurídico e colaborar significativamente na diminuição do volume de processos judiciários.
Ademais, passa a ficar cada vez mais evidente a importância da advocacia preventiva e do planejamento estratégico das empresas, tudo isso com vistas a “organizar a casa” por meio dessas políticas de governança, com o objetivo de, por consequência, proporcionar uma visão mais adequada da empresa perante terceiros.
[1]CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
[2]JESUS, Thiago Allisson C.; SANTOS, Rosélia A. R. Uma análise sobre compliance e a educação em direitos humanos para a desjudicialização no Brasil Contemporâneo. Revista de Direitos Humanos e Efetividade. e-ISSN: 2526-0022. v. 7. n. 2. p. 39-59. Jul/Dez. 2021. p. 41.
[3]COELHO, Fábio Ulhoa. Novo Manual de Direito Comercial. 32ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
[4]CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. “Art. 37. (…) XXI: ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
[5]CELSO DE MELLO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ADI/MC nº 3.540-DF.
[6]Manual SEBRAE. Mercados e Vendas. Estratégia de Mercado. O que é fair trade (comércio justo). Disponível em <https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-que-e-fair-trade-comercio-justo,82d8d1eb00ad2410VgnVCM100000b272010aRCRD>
[7]ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. BRASIL. Objetivo 16: Paz, Justiça e Instituições Eficazes. apud. JESUS, Thiago Allisson C.; SANTOS, Rosélia A. R., 2021.
[8] Pacto Global. ESG. Disponível em <https://www.pactoglobal.org.br/pg/esg>
[9] AMARO, Mariana. Greenwashing: o que é e por que essa palavra pode impactar seus investimentos e suas compras. Disponível em <https://www.infomoney.com.br/economia/greenwashing-o-que-e-e-por-que-essa-palavra-pode-impactar-seus-investimentos-e-suas-compras/>